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29 abril, 2005

"A Preguiça e o Assédio Intelectual Internético"

Que esse é um espaço democrático pra qualquer texto, literário ou não, eu já deixei claro. Então nada melhor que deixar aqui um bom texto que servirá a educadores, alunos, pais e internautas em geral para reflexão sobre a que limites chega o absurdo.
Deliciem-se... é um texto que tem a marca do divertido Marcelo Tas.

Beijocas da Cauzinh@...

"A Preguiça e o Assédio Intelectual Internético"
No final do ano passado, comentei aqui um assunto que deu o maior ibope: a cola na internet. Professores e alunos de todo o Brasil escreveram confirmando e acrescentando novos dados ao drama: há uma verdadeira epidemia de plágio descarado nas escolas, incrementado pelo uso da web.
Volto ao assunto, pois tenho novidades. Os preguiçosos incansáveis na busca da perfeição estão usando uma novíssima arma: o Assédio Intelectual Internético. Se quiserem podemos batizá-la com uma sigla: AI2 (AI ao quadrado), para deixar a coisa com um toque mais científico.
Detectei o fenômeno depois de meses de garimpo entre os e-mails que recebo. Isolei com cuidado as mensagens enviadas por estudantes com suspeita de estarem infectados com o vírus do AI2. Compartilho agora com vocês alguns deles. Não se preocupem preguiçosos, vou usar nomes fictícios. Não é minha intenção puni-los. Mas fiz questão de deixar, quando mencionada, a instituição onde o espertinho está estudando. Com a única esperança de alertar os responsáveis de plantão.
Vamos ao primeiro candidato:
Olá Tas, preciso urgentemente terminar uma pesquisa sobre um assunto que você abordou aí na sua coluna. Se puder me ajude com qualquer informação. Por favor, não demore. Tenho que fazer uma lista de perguntas para entrevistar alunos e também a reitoria de algumas faculdades daqui da região. Nathalia.
De cara, observam-se duas características nos infectados com a síndrome do AI2: a pressa e a ausência. Assim como a Nathalia, em sua maioria esmagadora, o pessoal está sempre com pressa. Usam com insistência ameaçadora a palavra "urgente".
A segunda característica, a ausência, parece decorrente da primeira. A aluna, na pressa de passar a batata quente da tarefa que ela própria deveria se ocupar, não se dá ao trabalho de nem mesmo mencionar o assunto que a aflige.
Deixa para destinatário, ou seja eu mesmo, a tarefa de tentar adivinhar ou iniciar um diálogo via e-mail e assim ceder à fisgada do Assédio Intelectual Internético.
Mas, há casos opostos. O aluno não só envia o assunto, como também uma lista de pedidos bem detalhados.
Tas, sou aluno da Fiam e preciso fazer um trabalho sobre Jornalismo On-Line para a próxima terça. Você poderia me responder algumas perguntas via e-mail? Se estiver sem tempo, pode ser por telefone: (segue número do celular dele). Se esqueci de perguntar algo que você queira dizer, por favor, o faça. Muitíssimo obrigado. E lembre-se de mim quando surgir uma vaga de produtor no seu programa na TV. Ah! Posso roubar uma imagem do seu blog para a minha matéria??? Carlinhos.
Claro, Carlinhos. Quando precisar de alguém com a sua incansável disposição para o trabalho, lembrarei de você, com certeza.
Há também estudantes menos preocupados com trabalhos escolares e mais com suas necessidades imediatas. Para atendê-las, confiam no Assédio Intelectual via internet até para atividades ilícitas. É o caso do Laércio:
Fala Marcelão! Fiquei sabendo aqui na faculdade que você escreveu que tem um jeito de inserir créditos de graça nos celulares da Tim. Por favor, me ensine como é que se faz. Sou do Maranhão e o tipo do meu celular é um V150 da Motorola. Brigadão!!!
Prezado Laércio, você está viajando na maionese. Nunca abordei tal tema no jornal. Mesmo se tivesse tal talento, nunca ofereceria meus serviços de hacker de celular aqui nesse jornal.
Acuso grande incidência de casos em alunos, até mesmo do ensino médio, envolvidos com os famigerados TCCs, Trabalho de Conclusão de Curso. Posso estar enganado, mas me parece que esse tipo de avaliação, aparentemente moderninha, cheia de boas intenções, está virando uma desculpa para os alunos matarem aula. Além, é claro, de aliviar a carga de trabalho dos professores. Mil desculpas, queridos mestres, se estiver exagerando.
Diante desse mercado promissor, tenho pensado em abrir um site para venda de lição de casa delivery. Como fez o Kenny Sahr, criador do site School Sucks, que hoje leva uma vida de milionário em Miami. O seu portal para preguiçosos já tem arquivados mais de 200 mil trabalhos escolares. Os assuntos vão de nanotecnologia à uma análise das idéias de reforma agrária do presidente Lula.
Aproveito a deixa da professora para deixar claro: não me importo em receber e-mails de estudantes, professores ou quem quer esteja interessado em educação. Muito pelo contrário. Trocar informações na velocidade da internet é uma das virtudes do mundo moderno. Mas não me obriguem a ser meio das nádegasmplice de um dos sete pecados capitais remasterizado nessa nova era: a preguiça virtual.
Artigo do Estadão - Marcelo Tas