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20 abril, 2007

Das nossas sagradas máscaras...

"Se tivesse acreditado na minha brincadeira de dizer verdades
teria ouvido verdades que teimo em dizer brincando"
Charles Chaplin


É assunto reincidente em mim o raio dessas máscaras que nos obrigam a ostentar.

Sou, sim, rebelde de natureza, irônica de alma, e mesmo assim sei das minhas multifaces mascaradas que tenho que usar. Quem não as tem? Quem diz não as ter é um pobre diabo que engana a si mesmo.

Nem falo das muitas que sou (ou dos muitos que somos nos nossos próprios universos), mas justamente das que não sou, mas que tenho que representar ser em nome da boa política da convivência; da conveniência amorosa; da amizade singela (e aqui não é no bom sentido); do 'bom tom' (deve ser por isso que sempre prefiro o desafinado de Vinícius e Tom).

Penso sempre nessa nossa capacidade de, além de ser todos os que somos, ser ainda ao que não somos. Por que essa hipócrita face nos teima em grudar no rosto? Porque é conveniente a quem nos olha.

A maioria das faces que não nos pertencem, mas que mesmo assim usamos, são nos impostas por terceiros. Eles gostam de nos ver assim. Eles preferem nos ver do modo deles.

Até aí, vá lá... os olhos da alma só são turvos e burros se os queremos assim. Mas impor a mim esse seu olhar e querer que eu dance, represente e sapateie no palco que outro palhaço montou, já é um pouco demais.

Mas o pior é que, no fim, nós nos esforçamos para cumprir este lastimoso papel. Por quê? Simples... é, por vezes, um reflexo mais glamouroso daquilo que somos (não que sejamos medíocres. Jamais! Pois você é o que você quer ser. Se você é medíocre a um, é ídolo a outro e a si mesmo é a sua construção, seu ideal - mesmo que você diga que não, que poderia ser melhor. Você não o é porque não quer). Mas o que temos de nós refletidos nos olhos dos outros é sempre mais bonito, mais colorido, mais 'real'. É como o doce exposto na vitrine da padaria. Tão lindo e brilhante. Parece tão macio, tão adoravelmente delicioso que você não resiste. E nem sempre o gosto é diferente, mas algumas vezes, de perto... bem perto... na boca, só tem gosto de ovo cru. Cheira igual a ovo cru. E te dá náuseas.

Há uma cena no filme 'Closer' que eu realmente acho fantástica. Certamente a melhor de todo o filme, na minha humilde opinião.

Estão lá, Alice/Natalie Portman num modelito sensualíssimo (que por algumas vezes é deixada de lado - sem que o público masculino tenha o prazer de saborear o close fatal – e é este antagonismo que me agrada no filme) e numa performance que oscila entre a sensualidade escancara e a infantilidade extrema, e Larry/Clive Owen, babando, com cara de maluco-tarado-faminto-de-carne, sem poder tocar-lhe. O diálogo é escandalosamente maravilhoso. Cru, recheados de ‘mentiras/verdades’ que traduzem todo o filme.

É a cena realmente mais explícita do filme... cada personagem em cena retira e põe sua máscara. O ambiente, completamente desmascarado exala o ‘mote’ central do filme – sexo. Não o banalizado, mas todos aqueles sentimentos, ponderações, sensações, taras e afins que guardamos a sete chaves dentro de nós mesmos para que não sejam deslumbrados pelos olhos dos outros. Luxúrias, desejos e vergonhas (mais um antagonismo – Alice/Portman, a stripper, é a que fala menos em sexo e a mais verdadeira em sentimentos, embora seja a única que está ‘escondida’ até o final do filme).

Há uma visão ‘superior’, no sentido literal da palavra, mostra os personagens de cima pra baixo, do mesmo modo que tratamos o sentido sexual da coisa em nós - do cérebro pro sexo (Você pode dizer que não, mas é na sua cabeça que tudo se inicia – e nem fui eu quem disse).

Eles ficam nus, sem tirar uma peça de roupa. Aliás, quando a ‘Alice’ está ‘vestida’ é exatamente quando ela está mais nua.

Mas o ponto é. Ela se despe, finalmente, da máscara quando o 'Larry' lhe pergunta seu nome. Ela o diz, o verdadeiro, e ele simplesmente não acredita. Ela, que não agüentara a máscara que criara pra si e a imposta pelos outros, despiu-se, passou a mostrar-se como era e simplesmente teve a verdade não só ignorada, mas totalmente desacreditada. Pelo quê? Pela conveniência de quem a via. Seu interlocutor não acreditou no que estava diante dos seus olhos. Mas quem gostaria de ser assim? - Pensam. Quem não gostaria de fazer parte desse nosso mundinho pseudo-perfeito, onde cada um cumpre seu medíocre papel: A que vejo ‘santa’ é santa. O que vejo bom moço, bom moço o é. A puta, o garanhão. Cada um o é sob meus olhos no momento que os vejo, e ponto. Quem se atreveria a ter o rosto de anjo e o corpo de demônio? Mas quem disse que vivemos de maniqueísmo? Jamais? Nossas hipocrisias. Nossas idealizações impostas a quem nos interpela dizendo que a vida é mais complexa que ser um só a todo momento. E chamamos isso de social, de aceitável.

E a mudança, e o direito de carregar em si as duas sementes e de se valer da escolha para aquilo que se quer? Há conseqüências em toda a escolha. Mas, ainda assim, há a escolha. As máscaras que nos são impostas nos tiram até o nosso direito de escolha.

Já não me assusto com as máscaras que usamos, a gosto ou contra-gosto. Assusto-me com as máscaras que tememos retirar só pra sermos agradáveis aos que nos rodeiam. E o pior... quando mais próximos estão de nós, mais nos apegamos as tais máscaras. Medo de quem amamos, queremos, desejamos descubra quem somos de verdade? Quando tentamos retirá-las dói mais que o esperado...

Como é fácil fazer tal qual a “Alice” e despirmo-nos diante de um quase estranho que não tem nenhum tipo de expectativa sobre nós, que não tem um visão futura sobre o que quer de nós. Como é fácil sermos quem somos pra quem não sentimos nada, pra quem significa quase nada pra nós.

Pena precisarmos de máscaras para agradar os que amamos...
Assusto-me em pensar que logo cansamos dessas máscaras impostas. Que cansamos de atuar num papel que não escolhemos e, então, quando enfim decidirmos só ser o que somos, já não acreditem mais nisso. E aí, já ao vai importar o seu nome, porque só te chamarão pelo pseudônimo por eles inventado. Pena.

Quem sabe um dia, quando não precisemos de tantas máscaras, eles possam ver o real brilho que trazemos nos olhos. E aí sim, poderemos nos ver de perto... bem de perto, sem medos.

por Cau Alexandre


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