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27 dezembro, 2007

Sala ou Cozinha??



Arquitetura Humana

Estes dias, eu estava vendo umas fotos antigas, casas estilo colonial, e uma coisa me chamou a atenção. Todas elas, não importa os detalhes arquitetônicos, ou se era rica ou pobre, mantinham a mesma filosofia: "uma sala de visitas, sempre impecável, com vista pra rua", porém quase sempre vazia.

Isso me fez pensar, que quem quer que tivesse inventado essa divisão do espaço da casa, conhecia profundamente os segredos dos espaços do corpo. Complicado ??? Explico. Como o próprio nome diz, "sala de visitas", não é lugar de convivência cotidiana. Por isso fica sempre na frente da casa. É a dialética do "deixar entrar sem deixar entrar". Estar dentro mas quase fora, sem atingir a intimidade. Visitas podem entrar, mas não é permitido a elas "penetrar". Os segredos da casa ficam assim protegidos.



Na sala de visitas, se assentam as pessoas de cerimônia, sempre bem postadas, homens de pernas cruzadas, mulheres de joelhos unidos. Serve-se café, chá, bolinhos, e a conversa acontece dentro dos limites de uma etiqueta silenciosa que todos respeitam, afinal, "Em casa de enforcado, não se fala em corda". Tropeços não são permitidos. Fala-se sobre política, tempo, acontecimentos públicos, amenidades e cuida-se para que não haja silêncios. Eles são quase sempre embaraçosos, pois nunca se sabe o que o outro está pensando...

Essa é a filosofia da sala de visitas: mostrar o mínimo, elegantemente. O resto da casa, a vida que nela há, fica protegida. Mas existe um outro lugar onde as visitas não entram, lugar de amigos: a cozinha.

Ali as pessoas se assentam, e o corpo se liberta das regras de etiqueta. Espaço mágico, o corpo livre do controle do espelho, ali aflora uma outra verdade. O silêncio não incomoda, pois na cozinha há um "estar juntos" que permite a solidão. Os corpos experimentam sua solidariedade e os pensamentos ficam diferentes. Os pensamentos nascidos na cozinha, não são os mesmos que vivem no espelho da sala de visitas. O corpo na cozinha, não é o mesmo que aparece na sala de visitas.


Para ir até a cozinha, é preciso penetrar na casa. Ela fica longe da fachada, não se abre para a rua. Assim é o corpo. Tem uma sala de visitas luminosa, onde qualquer um pode entrar. Só que saindo-se dela, chega-se novamente na rua.Sábios os construtores das casas antigas. Eles sabiam que entrar numa casa era como entrar no corpo, pois a casa é uma extensão do próprio corpo. Isso tudo, me fez perceber, o quanto cada dia mais, as pessoas estão se tornando "salas de visitas", onde o mais importante é aquilo que elas podem aparentar, esquecendo-se do bem-estar e prazer da adorável "bagunça" da cozinha.





Evitando a todo custo permitir-se desfrutar dos prazeres dos gostos e cheiros da cozinha. É. Descobri que, definitivamente, sou uma pessoa das cozinhas, embora ainda exista em mim a "sala de visitas", eu a evito ao máximo, pois sei que pra me sentir vivo, preciso da "vida" oferecida na cozinha.






Por favor, pensem um pouco e tentem ser mais "cozinha".


Nédio Caselato






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