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14 julho, 2012

Presentes... Bons Presentes...


FICA COMIGO ESSA TARDE
Ilídio Soares



A Cau Alexandre

Possuíamos alma, mas a possuíamos só por instantes, em potências atravessadas como conjugando vislumbres com açoites. E dizíamos coisas que nos faziam rodar sem vínculos, deixando a carne exposta e consciente de estarmos, de fato, nos consumindo. E como clandestinos, subterrâneos do que restou daquele sentimento, os socos e os adornos iam conosco, cativos, fundos, da garganta ao mais nada que não se esconde depois que finda o barulho de existir. Num curto-circuito de ruídos de seres que um dia fomos, e do qual não esperávamos muito, éramos nossos e isso nos bastava porque assim que era posto.

Não é fácil, portanto, experimentar-nos agora além dessa epígrafe. Tateando sobre o que nos distingue, com má vontade, mas indo de encontro ao que nos vence e corrói os últimos argumentos, os atos cordatos e os finos traços que sumiram. E apesar do mal estar, querendo morrer em paz num mundo que já não nos pertence, imersos numa linguagem de círculos, esvaziados de um sentimento que não é mais permanente, aos solavancos fomos insistindo.

Em alguma parte abandonamos as idades, os palmos de estrada, os arreios, e fomos ficando mais um pouco pra ver se espantávamos o hálito dos reclamos e haveres, em horas que às vezes se entrecruzavam com nossos antigos pertences. E do vazio brotavam ideias que nos faziam regressar aos dias que éramos mais resistentes. E por não sabermos enterrar aquilo que nos estava enterrando, tudo ao nosso redor aos poucos foi se desfazendo, e doendo. Desorientados e cansados parecíamos aves felizes e retardatárias rumo ao poente.

Há muito tinha deixado de ser pacto para se tornar subversivo. Com cada um à sua maneira  rastejando no fosso, entre moitas e sonos sem perceber que estávamos explodindo. E essa era a nossa coragem, a única que nos restava, de dormir mais cedo para não vermos a noite que se aproximava. Sem estrelas e escura, anunciando que jamais partiria só pra nos fazer sofrer uma eternidade.

Dobrados e sem conseguirmos nos separar por dentro, hoje somos mais do que uma paisagem na mente. Dividindo-nos em partes por não sabermos como reter um todo que se esvai, indo a outra coisa que age mudando independente da gente. Somos a antimatéria das vontades inconclusas, por isso reduzimos os apuros e escondemos as culpas porque sabemos aonde começam e terminam. Sob outros nomes disfarçamos o que nos possui, nada mais nos desconcerta, tudo nos é intimo. E da antimatéria nos transformamos numa tardante metáfora mais concreta, recolhida de fusos, mas sucessiva nos léxicos que não se fundem, para finalmente conseguirmos nos tornar uma simples e tão desejada pergunta: “Fica comigo essa tarde?”


copyright©Ilidio Soares 2012