ENTRE LIVROS E MEMÓRIAS
Cau Alexandre
Ambos jovens
Ela, menina-mulher. Adolescente desajeitada,
magrela de olhos vívidos. Achava-se feia, compensava na inteligência aguçada.
Aluna.
Ele, rapaz. Recém formado, primeiro emprego.
Professor.
Esperavam professor novo, mas não daquele
jeito. 24.
Ela sentada no meio da sala. Equilíbrio entre
os CDF e os da Geral. Uma bagunceira-estudiosa. Não se contentava em ser só
'isso' ou 'aquilo'.
Descrente do que via.
Ele: olhos castanhos, tão claro que esverdeavam.
Primeira impressão. Não conseguia parar de olhar. Hipnotizada.
Ela: cara de marota. Olhos de ressaca. Boca.
A partir daí o equilíbrio fora esquecido. As
aulas de literatura tiveram uma nova freqüentadora assídua das cadeiras
fronteiriças. Perto dos olhos, percebeu a boca. Delineada pelo cavanhaque. Um
quase delírio. Suspiro.
Feia? Não... Desengonçada. Adolescência.
Atrevida. Olhar firme. Boca, meu Deus, que boca! Devia ser proibido a alguém
tão jovem ser provida de uma boca tão libidinosa.
E por aí foram.
Alencar, Álvares, Dias, Varela e Azevedo... Também
Alves, o Castro.
E entre as Iracemas e Martins, Helenas e
Estácios e Bentos e Capitus... A preferida, seguiram.
Não perdia aula, nem quando a febre era mais
forte. Os apelos dos pais... O incêndio interno era maior. A contra-vontade de
sair mais cedo. Mau estar, febre.
Descobriu outro prazer. Pedir para sair
deu-lhe a visão perfeita das mãos. Grandes. O toque, no pulso. A temperatura...
O coração já acelerado acertou o caminho e estava na reta final da garganta.
Macia, pelúcia, delicada mão de homem. Delicada? Homem das letras.
Foi pra casa como quem ganhou um prêmio.
Fim de semana de cama, sorriso besta na cara.
As mãos não se lhe saiam da memória táctil. Juntou-se a boca e aos olhos.
Retorno.
Augusto, Raul, Aluízio, Machado... Ah!
Machado, o de Assis.
Ela passou a devorar-lhe as carnes de papel
com o mesmo prazer que os vermes fizeram a Brás Cubas, depois da dedicatória
póstuma.
Ele, fino admirador... Falava de Machado com
que orando, adorando um ídolo.
Ela, como iniciante, devorava-lhe as palavras
com ouvidos jovens e sedentos.
Devorava-lhe o sentimento de inquietude.
Ele não a olhava nos olhos. Ouvia estrelas.
Ela perdia o senso. Tremia...
Provas, trabalhos, longos textos. Esses nunca
o satisfaziam. Sempre aquém do devido. Zangada. Vontade de escarrar-lhe na
boca... Mas antes deveria haver o beijo.
Mário, Oswald, Graciliano, Manuel, Drummond.
E uma pedra no caminho do João Gostoso. Final
de ano.
Tristeza nos olhos do retrato. Cecília.
As reposições de aulas nunca foram tão boas...
Sábados agradáveis embalados pelo som da sua voz de quase-homem. 'Quase' por
picardia dela. Fomentar.
Correndo os olhos passaram por Clarice,
Guimarães e Nelson, o Rodrigues. No qual o seu desejo adolescente esperava demorar-se
mais um pouco. Alimentava-lhe a alma latejante. Desdém. Rapidez nunca a
agradara.
As férias tinham um sabor agridoce, ou um sem
sabor e, finalmente, vieram.
Felizes todos conseguiram seu intuito, era
hora de descanso. Guardar livros e lembranças.
E o beijo? Ah! Deve ter sido coisa que Helena
sonhou, entre os olhos de Capitu e a boca de Brás Cubas.
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(Postado em 31 de maio de 2007)